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Pessoas não binárias crescendo no mercado inspiram outras pessoas não binárias a não desistirem da sua arte e de seus processos.


ENTREVISTA: Lolline Huntar z para o JULHO NB

Nino Cavalcante, autor e jornalista, entrevista Lolline Huntar'z para o Cadê LGBT.

A luta pela inclusão de pessoas não binárias no mercado vai muito além da inserção de profissionais e autories na área, mas também durante a escrita com a inclusão de protagonistas e personagens não binários e o uso da linguagem neutra durante o texto. É o que Lolline Huntar’z (elu/ela) faz em seus livros.


Tanto em Entre livros e fios dourados como em Tulipas Luz e os fantasmas do passado, Lolline, que, além de escritorie. é bacharel e mestrande em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Uberlândia, dá protagonismo à personagens que se identificam como não bináries e utilizam o pronome neutro (elu).


As narrativas, inspiradas em suas próprias vivências, abrem portas para a discussão sobre o uso da linguagem neutra nos livros. Conversamos sobre o tema e também sobre a recepção dessas histórias no mercado editorial brasileiro e entre os leitores. Você pode conferir a entrevista a seguir:


Nino Cavalcante: Você acha que, hoje, existe espaço para autores não binários no mercado editorial, em especial, nas editoras tradicionais?


Lolline Huntar’z: Eu acredito que há um espaço que precisa ser ocupado por nós, autores não binários. Um espaço que já foi aberto por Maria Freitas, que tem sido cada vez mais ocupado por autores internacionais, que está ali. Mas ainda é uma porta a ser aberta. Uma porta a ser escancarada. Porque, embora tenhamos nomes fortes no mercado editorial brasileiro, é ainda um espaço muito pequeno. O mercado editorial tradicional ainda é majoritariamente cisgênero. Pesquisas em desenvolvimento demonstram que apenas editoras pequenas e de médio porte abrem espaço para pessoas não binárias. Isso deve ser mudado. Devemos e podemos chegar ao público geral.


NC: Para você, qual é a importância da presença de pessoas não binárias no mercado editorial?


LH: A luta das pessoas não binárias é uma luta de libertação geral de identidades. É uma luta para podermos ser o que somos, ter liberdade para vivermos como quisermos e nos expressarmos como nos identificamos. O mercado editorial é um campo de luta ideológica necessário nesse processo de libertação, visto que a arte literária é necessária para a mudança de perspectiva de milhões de leitores. É importante que sejamos vistos nesse mercado para que pessoas como nós sejam vistas e se compreendam melhor. Quando falamos que representatividade importa, isso não é apenas sobre os personagens, mas sobre os autores também. Pessoas não binárias crescendo no mercado inspiram outras pessoas não binárias a não desistirem da sua arte e de seus processos.


NC: Como é a sua relação com o mercado se tratando da sua identidade? Você sente que há respeito do público e dos profissionais ao se comunicarem com você ou sobre você?


LH: Meus leitores mais fiéis são pessoas que precisavam da minha escrita para autoidentificação. São pessoas que precisavam de mim para contar certos tipos de histórias. Com eles, sinto que minha identidade é totalmente respeitada. Mas... admito que minha relação com o mercado, sendo uma pessoa não binária, é um tanto complexada. Sinto, muitas vezes, que se eu estivesse escrevendo livros com personagens cisgênero ou se eu fosse uma pessoa cisgênero, eu teria conseguido chegar, numericamente, muito mais longe nesse ponto da minha carreira. É um sabor agridoce; um tanto amargo, às vezes. Mas nunca me desrespeitaram na minha frente. E sempre tentam respeitar meus pronomes e minha identidade. Acho que... cheguei nas pessoas certas, pelo menos, embora quisesse chegar em ainda mais gente.


NC: Os seus livros geralmente trazem a neolinguagem para um papel de protagonismo. Como você se sente produzindo uma literatura com linguagem neutra? Como é a recepção do público?


LH: Este é outro ponto agridoce na minha jornada literária. Eu escrevo utilizando a neolinguagem porque eu acredito que o avanço linguístico dos pronomes e da fala neutralizada só vai ser feito a partir de esforços dos próprios membros da comunidade não binária. Eu escrevo com linguagem neutra porque eu acredito que é produzindo cada vez mais disso, naturalizando cada vez mais o neutro, que vamos construir a mudança significativa da nossa linguagem em alguns anos. Mas é... complicado. Eu sinto que há um entrave na recepção das minhas obras exatamente por elas naturalizarem a vivência não binária e por naturalizarem a neolinguagem. Acredito, como eu disse na questão anterior, que se minhas histórias fossem cisgênero, elas teriam ido muito mais longe, chegado em um público muito maior. Mas por serem histórias não binárias, elas passam por um crivo diferente, muitas vezes sendo esquecidas ou apenas lembradas quando precisam por nomes em listas do mês do orgulho. Nunca lidas, nunca admiradas pelo que realmente são. Eu acredito que minha luta é importante e eu luto por aqueles que precisam dessa minha arte para se entender, mas ainda assim... é difícil e muito desmotivador às vezes. Eu continuo por mim, por aqueles como eu, por quem precisa disso. Mas queria, mesmo, ter resultados melhores, resultados esses que não consigo deixar de imaginar que seriam muito maiores se não estivesse fazendo tanta questão assim de escrever na linguagem neutra.


NC: No futuro, você pretende escrever mais histórias com protagonistas não binários?


LH: A esse ponto, eu acho que essa é a minha marca enquanto escritorie. Não consigo me ver escrevendo livros sem personagens trans. Até mesmo os livros que me aparecem com protagonismo cisgênero, eu resolvo colocar alguém muito importante como não binário. Então, sim, é uma coisa que eu planejo fazer e continuar fazendo. Não consigo me imaginar fazendo diferente. É algo que me traz muita felicidade, principalmente quando recebo os comentários dos meus leitores não binários dizendo que precisavam de livros assim. Eu sei que posso mudar vidas com a minha literatura não binária porque eu já vi acontecendo. E eu quero que continue a ser assim por muito tempo.


NC: Do que você mais sente orgulho enquanto uma pessoa não binária que escreve?


LH: Sinto que estou mudando o mundo com a minha arte, mesmo que a parte do mundo que estou mudando sejam pessoas pinçadas de uma a uma no processo de crescimento do meu público leitor. Sinto que estou chegando em pessoas que precisavam, tanto quanto eu, de histórias com pessoas não binárias apenas sendo quem elas são e vivendo como elas querem, sem medo algum de se mostrarem, se amarem, amarem outras pessoas e se construírem enquanto sujeitos de poder, protagonistas de suas próprias vidas. Eu sinto orgulho de poder dizer que eu escrevo pelos meus e que sinto a diferença dentro de mim e das pessoas ao meu redor quando alcanço o público que precisava desses livros. Eu sinto orgulho de ser eu e de estar me descobrindo cada vez mais enquanto eu escrevo histórias sobre pessoas como eu. É... muita coisa. Mas sinto orgulho de estar abrindo caminhos, também, de perseguir os caminhos já trilhados por outras pessoas como eu, de continuar lutando mesmo que doa de vez em quando.

Giu Domingues

Sinto que estou chegando em pessoas que precisavam, tanto quanto eu, de histórias com pessoas não binárias apenas sendo quem elas são e vivendo como elas querem, sem medo algum de se mostrarem, se amarem, amarem outras pessoas e se construírem enquanto sujeitos de poder, protagonistas de suas próprias vidas.

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