Ao olharmos para o número de pessoas LGBTQIAP+ dentro das grandes editoras, percebemos que é um número ínfimo. Fazer um recorte para pessoas não binárias reduz esse número para uma contagem nos dedos.
ENTREVISTA: Alan Silva para o JULHO NB.
Nino Cavalcante, autor e jornalista, entrevista Alan Silva para o Cadê LGBT.
O Dia Internacional das Pessoas Não Binárias é comemorado em 14 de julho e foi criado em 2012, por Katje van Loon, para celebrar e levantar discussões acerca dos direitos daqueles que não enxergam seus gêneros dentro do espectro binário.
Historicamente, a data nunca foi, de fato, celebrada no Brasil. Não existe uma movimentação das marcas, campanhas publicitárias, notícias ou qualquer outro tipo de manifestação que trate a data como uma festa – o mesmo acontece com outras identidades LGBTQIAP+ que tem seus dias, semanas e meses de comemoração de orgulho e visibilidade.
Em paralelo a isso, no mercado editorial também não é recorrente que vejamos editoras, feiras literárias, canais de comunicação e notícias, ou até mesmo influenciadores, fazendo grandes movimentos para comemorar a data, mesmo que vez ou outra uma obra de autoria ou protagonizada por pessoas não binárias seja lançada de maneira tradicional.
Já o mercado indie é repleto de autories e histórias que celebram essa forma de existir e, pensando nisso, o CadêLGBT juntamente com Nino Cavalcante, se reuniram para uma celebração com muita leitura, indicações, conversas e entrevistas com autories que buscam seu espaço no mercado.
Para começar com o pé direito, o nosso primeiro entrevistado é a principal pessoa por trás do Cadê, Alan Silva (todos os pronomes).
Licenciado em Letras, professor e autor de mais de 15 livros, alguns dos quais assina com seus heterônimos: Nala Alvis, Lito Garcia e Isaac Newman, ele soma mais de 1 milhão de páginas lidas no Kindle Unlimited. Idealizador do movimento denominado representativismo, cujo foco principal é representar, com responsabilidade, personagens das minorias sociais em suas obras, Alan nos conta um pouco mais sobre como são suas vivências enquanto autor não binário no Brasil.
Nino Cavalcante: Para você, qual é a importância da presença de pessoas não binárias no mercado editorial?
Alan Silva: Assim como em todos os ambientes de trabalho, ter pessoas trans no mercado editorial é extremamente importante. Primeiro, porque possibilita que mais leitores se encontrem em histórias own voice e também porque mostra que há formas de chegar e se manter no mercado sendo uma pessoa não binária. Nossas escritas e vivências são tão diferentes e únicas, só faltam as oportunidades para que nossas histórias cheguem em mais pessoas.
NC: Você acha que, hoje, existe espaço para autores não binários no mercado editorial, em especial, nas editoras tradicionais?
AS: Ao olharmos para o número de pessoas LGBTQIAP+ dentro das grandes editoras, percebemos que é um número ínfimo. Fazer um recorte para pessoas não binárias reduz esse número para uma contagem nos dedos. São pouquíssimas pessoas não binárias que chegaram lá e que tiveram oportunidade para isso. Espero que daqui uns anos esse cenário mude.
NC: Como é a sua relação com o mercado se tratando da sua identidade? Você sente que há respeito do público e dos profissionais ao se comunicarem com você ou sobre você?
AS: Confesso que a maioria das pessoas ainda me vê como “homem cis”, mesmo não sendo e deixando isso explícito em todos os lugares que estou. As pessoas ainda me tratam como se eu não fosse uma pessoa não binária. Evitei usar pronome neutro por muito tempo, até mesmo pelo estigma social. O medo da ridicularização e de enfrentar cada vez mais preconceito podou durante anos o meu desejo de ser. Hoje me encontro num lugar onde quem não respeita quem sou, não merece estar na minha vida. No âmbito profissional percebi que as oportunidades foram diminuindo desde que me reconheci como uma pessoa trans, gostaria que fosse algo somente da minha cabeça, mas, infelizmente, não é.
NC: Nas suas histórias, a diversidade é um fator fundamental que muitas vezes faz com que elas avancem. O que te motiva a continuar produzindo essas narrativas?
AS: Era muito difícil encontrar histórias com personagens que se parecessem comigo. Hoje, no mercado indie, vimos um aumento considerável dessas obras. Continuo produzindo essas narrativas para que mais pessoas como eu tenham acesso, por isso também sempre deixo a minha arte o mais acessível possível, para que ela chegue nas pessoas que precisam dela.
NC: Você também se aventura muito em gêneros literários diferentes, que vão desde a poesia até a distopia. Na sua perspectiva, qual é a importância de destacar a representatividade em todos os gêneros literários?
AS: Sempre cresci vendo pessoas hétero/cis sendo protagonistas de todos os gêneros que eu via/lia e perceber que não haviam pessoas como eu dentro desses gêneros foi revoltante. Por isso, transformei minha revolta em arte e decidi ocupar todos os espaços possíveis. Assim, as próximas gerações poderão escolher qual gênero elas querem ler, porque terá todos os tipos, para todos os públicos. Era muito difícil filtrar histórias pelos gêneros mais diversos, mas lá no catálogo do Cadê LGBT sei que posso buscar qualquer gênero que vai ter uma nova leitura me esperando.
NC: Do que você mais sente orgulho enquanto uma pessoa não binária que escreve?
AS: O meu maior orgulho é saber que as minhas histórias vão chegar em pessoas que precisam encontrá-las. Tocar as pessoas com a minha arte, sendo para abrir um sorriso ou derramar uma lágrima. Nunca fui muito de dar abraços, mas sinto que as minhas obras são uma forma de abraçar quem precisa. E, de alguma forma, me sentir abraçado também.
Quero me sentir bem quando me chamem
Não quero ser tratado como homem.
(Trecho de Almas, de Alan Silva)