Estamos avançando, eu acho, o que é incrível para leitories não-bináries, a quem esse tipo de história é um acalento.
ENTREVISTA: Isabela Fiori para o JULHO NB
Nino Cavalcante, autor e jornalista, entrevista Isabela Fiori para o Cadê LGBT.
Além da escrita, algumas pessoas não binárias também estão presentes realizando serviços editoriais ou criando conteúdo literário nas bookredes. É o caso de Isabela Fiori (elu/ela), ou Izzy, que cria conteúdo sobre escrita criativa e atua como uma pessoa que escreve, faz leitura crítica, realiza mentorias literárias e oferece serviço de consultoria para lançamentos de livros.
No conteúdo produzido por Izzy, elu dá dicas sobre como solucionar eventuais problemas que uma história pode ter tanto em questões do texto como da condução da história. Entre um post e outro, elu também promove os livros que escreveu, como A última mordida e Sob a chuva de Natal.
Em suas obras, Isabela aborda vivências de pessoas assexuais e arromânticas. Sobre isso e sobre a presença de pessoas não binárias no mercado editorial, nós conversamos na entrevista que você confere a seguir.
Nino Cavalcante: Para você, qual é a importância da presença de pessoas não binárias no mercado editorial?
Isabela Fiori: Eu sou uma pessoa que saiu do armário a muito pouco tempo como não-binárie e não para todo mundo. Sinto que falta algum processo em mim para eu me sentir confortável para isso. Digo isso para contextualizar. Mas a questão é, pelo que eu vejo por aí, a maioria das pessoas ainda não entende o que significa ser não-binário e acho que muito disso se dá porque não temos muita representatividade no mainstream, de modo que essas pessoas cis e potenciais aliades não tem contato à pluralidade da comunidade. Nesse sentido, acho que ter pessoas não-binárias no mercado é crucial, porque se não partir da gente, dificilmente outros vão lutar para inserir narrativas que contemplem nossa vivência e naturalizar a experiência não-binária. Ah, também acho importante essa expansão para que a informação chegue nês própries leitories não-bináries, que com certeza, precisam ainda mais dessas narrativas. Eu sei que eu preciso.
NC: Você acha que, hoje, existe espaço para autores não binários no mercado editorial, em especial, nas editoras tradicionais?
IF: Honestamente, não sei, mas gosto de acreditar que sim. Vejo autories como Casey Mcquiston e Alice Oseman conquistando muito no exterior e penso que talvez, estejamos caminhando para um mundo mais diverso, onde mais e mais autories não-bináries estarão contando suas histórias e chegando em mais gente. Estamos avançando, eu acho, o que é incrível para leitories não-bináries, a quem esse tipo de história é um acalento.
NC: Como é a sua relação com o mercado se tratando da sua identidade? Você sente que há respeito do público e dos profissionais ao se comunicarem com você ou sobre você?
IF: Essa pergunta é um pouco difícil. De imediato eu pensei no tratamento de pronomes e como eu uso ela/dela e elu/delu, me tratarem pelo feminino não é necessariamente misgendering né? Mas eu sinto que a maioria das pessoas usa mais o feminino comigo e de certa forma, incomoda. Eu uso os dois pronomes e gostaria que variassem, sabe? Às vezes também me chamam de "mulher", o que é terrível, então tenho que reiterar para a pessoa que não sou mulher. De qualquer jeito, isso é no geral, mas no meu público mais próximo e dentro da "bolha" eu me sinto muito acolhide e sempre sinto euforia de gênero ao me chamarem no neutro, que é algo que minhes leitories do grupo no Whatsapp usam bastante. Sou muito grata a essa comunidade em vários aspectos, mas esse é um deles.
NC: Nas suas obras você costuma trazer personagens aroace no papel de protagonistas. Você tem planos de interseccionar essa representatividade com a não binariedade?
IF: Nossa, sim! Eu me sinto muito à vontade com minha identidade aroace e gosto de trabalhar questões da amatonormatividade nas minhas obras, por isso sinto facilidade para trazer personagens aroace, alloace ou aroallo. A questão é quão à vontade eu me sinto com minha identidade não binária e me sentir pronta pra trazer isso também nos livros. Acho que rola uma síndrome do impostor que eu preciso resolver. Enfim, eu sei que existe muita gente do Aspec que também é não-binárie e acho isso muito legal. Gostaria de trabalhar isso em livros futuros, com certeza. Por enquanto estou indo aos poucos: meu vem aí tem protagonismo transmasc e já vou trazer algumas coisas que se relacionam com minha experiência através dele. To muito ansiosa para ver a recepção!
NC: Qual é o tipo de protagonismo não binária que você mais sente falta?
IF: Não sou muito de ler livros com protagonismo não-binário por um certo medo de me identificar demais e ser doloroso para mim (momento terapia). Mas sempre acho interessante a interseccionalidade, como você falou. Mostrar que não-bináries são diversos é fundamental, então ter mais personagens de raças e etnias diferentes, sexualidades, romanticidades, além de não-bináries pcds, entre outros. Acho que especialmente gostaria de ver mais aroaces que também são não-bináries, porque acho muito curioso como tem muito aroace agênero e acho muito que deve ter uma explicação para isso, já que gênero é construção social.
NC: Do que você mais sente orgulho enquanto uma pessoa não binária que escreve?
IF: Acho que no momento, sinto orgulho de respeitar o meu processo. Eu prometo e deixo registrado aqui que trarei personagens não-bináries (podem me cobrar), mas preciso resolver algumas coisas dentro de mim para me sentir pronta para isso. Acho que as histórias que vão vir depois serão mil vezes melhor do que se eu me forçasse agora e me deixarão bem orgulhosa se virem no seu tempo.
Mostrar que não-bináries são diversos é fundamental, então ter mais personagens de raças e etnias diferentes, sexualidades, romanticidades, além de não-bináries pcds, entre outros.